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quarta-feira, 24 de junho de 2009

Embebedai-vos


É preciso estar-se, sempre,

bêbado. Tudo está lá, eis a

única questão. Para não

sentir o fardo do tempo que

parte vossos ombros e verga-

os para a terra, é preciso

embebedar-vos sem trégua.

Mas de quê? De vinho, de

poesia ou de virtude, a

escolha é vossa. Mas

embebedai-vos.

E se, às vezes, sobre os

degraus de um palácio, sobre

a grama verde de uma vala,

na solidão morna de vosso

quarto, vós vos acordardes, a

embriaguez já diminuída ou

desaparecida, perguntai ao

vento, à onda, à estrela, ao

pássaro,ao relógio, a tudo o

que passa, a tudo o que

geme, a tudo o que rola, a

tudo o que canta, a tudo o

que fala, perguntai que horas

são; e o vento, a onda, a

estrela, o pássaro, o relógio,

vos responderão: É hora de

embebedar-vos! Para não

serdes escravos martirizados

do Tempo, embebedai-vos,

embebedai-vos sem parar!

De vinho, de poesia ou de

virtude: a escolha é vossa.


De Charles Baudelaire,

o autor de As flores do mal.

Flores de sonhos





Digo-vos: embebedai-vos
do perfume das flores,
de suas cores,
de suas formas também.

Flores de sonhos, do mal ou do bem,
Flores leais, reais, noturnas
ou das manhãs,são todas
flores da luz.
Espalhadas nas árvores, nos galhos, nos ares,
à beira dos caminhos ou nos lares,
amarelas, vermelhas ou azuis
são todas raras para mim.
Bebei de todas as luzes,
provai de todos os matizes,
sonhai com todos os sonhos,
o milagre não tem fim.
Os sonhos medonhos? apaguei.
Os outros, sonhei.
Embebedai-vos dos poemas
pequenos, sem rimas,
e das prosas saudosas, medrosas
que aparecerem por aí.
Embebedai-vos das flores, dos sonhos
perdidos, retidos...
semeados aqui.
(pv)

O enigma Pessoa

Por estes versos, podemos entender quem foi, quem é Fernando Pessoa. Foi um grande sonhador, um filósofo, um apaixonado, um solitário, um mistério.Chegou a escrever que "sonhar era o sentido da sua vida". Foi um poeta insaciável, "multipliquei-me, para me sentir". Era muito para ser um só, mostrava uma profunda inquietação , a perfeição era sua busca. Amargurado dizia: "Não sou nada. Nunca serei nada." Nasceu em Lisboa, mas depois de perder o pai , mudou-se com a família para a África do Sul. Lá estudou em colégios britânicos onde aprendeu a língua inglesa e interessou -se pela poesia. Voltando a Lisboa iniciou o curso de Letras, mas abandonou e seguiu a carreira literária, iniciando assim a arte de inventar.
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação
Não uso o coração .

terça-feira, 23 de junho de 2009

Mais Pessoa

E inventou tanto que um só não bastava.

Quanto mais eu me sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quanto mais personalidades eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersdamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora.

Nasce, assim, uma poesia inigualável, entremeada de razão e emoção, uma harmonia perfeita para nossos olhares e saberes se deleitarem.
Por acreditar que o mundo era uma desordem total quis reconstruí-lo, ultrapassando os limites
do universo visíveis aos olhos humanos e chegar a uma verdade infinita e enigmática.
Em sua última frase, "Eu não sei o que o amanhã trará.", não imaginou que esse amanhã lhe traria a glória, a grandeza e o reconhecimento como um fenômeno único de todos os tempos, o enigma em pessoa.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

O poeta fingidor

Não: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
...
Queriam-me casado,fútil,quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto,o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa,fazia-lhes, a todos,a vontade

Multipliquei-me,para me sentir,
Para me sentir,precisei sentir tudo,
Transbordei,não fiz senão extravasar-me
Despi-me,entreguei-me,

Para ser grande,sê inteiro:nada
teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.Põe quanto és
No mínimo que fazes.

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.


Fernando Pessoa,para você que se multiplicou, reinventou e recriou,fragmentou-se por inteiro, minha sincera e simples homenagem na abertura dessa página.